domingo, 4 de junho de 2017

A criança que deixou de sonhar



Quando era mais novo tinha muitos sonhos, sonhava tanto, sonhei em ser cantor, actor e ao longo do tempo fui perdendo esses sonhos. Fui bastante rebaixado, criticado e não conseguia exprimir o que sentia. Injustiça, raiva, fúria isso tudo foi crescendo dentro de mim mas sempre preso dentro de mim.
Foi perdendo a capacidade de sonhar, pois diziam-me que eu não tinha jeito ou não era capaz, apenas fui desistindo de mim. Cada vez mais fechado e com mais vontade de desaparecer. Fui crescendo e cada vez ficava mais isolado de mim, abandonei-me por completo à mercê dos outros, pancada daqui, pancada dali… Ninguém acreditava em mim, nem eu próprio, não era valorizado por ninguém, nem eu conseguia valorizar-me. Perdi tanto… Entreguei-me à solidão que eu sentia.
Perdi os meus sonhos. Fui para a secundária para ser professor de matemática, então só ouvia dizer, “os professores estão no desemprego”, mais uma vez acabei por desistir, baixei as minhas notas e saí da escola. Também não podia ter boas notas na escola, era criticado por isso. Tudo o que eu pensava que era bom para mim não podia fazer, talvez sentissem-se inferiorizados mas eu apenas queria que me aceitassem mas isso não aconteceu…
Depois de sair da escola tornei-me um Zé Ninguém, tinha tudo para ser grande e tornei-me tão pequeno. Fui trabalhar para sítios que não gostava, de fábrica em fábrica, trambolhão em trambolhão, sempre a sentir-me desvalorizado. Trabalhava bastante, fazia tudo bem mas o valor ia sempre para outros e nunca para mim… Mais injustiça, raiva, fúria, frustração… Será que não podia ser igual aos outros? Ser aceite? Por onde passava tinha que sofrer… Não acreditava na minha vida, não queria aquela vida para mim, não sonhava com aquilo mas não consegui fazer nada para a modificar e continuei na bola de neve…
Agora no meu presente propôs-me a conquistar a vida que eu quero mas sinto tanta insegurança em mim. Oiço frases do tipo: “És muito inteligente, culto, sabes tanta coisa.” “És lindo, tens um sorriso bonito, boa energia.” “És forte, corajoso, especial.” Entre muitas outras, eu apenas paro e tento ver isso em mim mas pouco o consigo ver. A “tortura negativa” que tive deixou-me muitas marcas mas que me propôs a curá-las.
Por isso decidi escrever este texto com as lágrimas a escorrem pelo rosto, libertar-me de mais coisas que estão presas em mim e que eu não as quero mais em mim. Não acho que estou a ser fraco ao exprimir isto tudo mas sim forte. Exprimir o que nos magoa e faz chorar é muito difícil.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Translate

Já disponível

Já disponível